14 agosto 2024

Pousar nas folhas, o olhar

Pouso o olhar no centro da folha
escrutino as nervuras
veias de seiva alimentando a vida
meço o pecíolo que a liga ao corpo da mãe árvore.
 
Contemplo a luz dançante 
na margem afagando a clorofila

Vejo-a ser água e terra
e doce néctar para abelhas.
 


Meço o tamanho da superfície, o recorte, 
a forma a lembrar um coração.

recolho-a na minha mão,
afago o veludo fresco e levo-a à boca
com o vagar de quem tem tempo
para oferecer ao céu da boca 
a folha tenra de uma árvore doce
que dança à minha janela.
 

 

04 fevereiro 2021

Luz lenta e leve na pele das magnólias

 

Esta manhã num jardim de Gaia o dia surgia na pele das árvores.
Lenta e leve a luz deslizava iluminando indícios de primavera no desabrochar das magnólias.
 
 

18 janeiro 2021

Os caminhos da seiva

 


Encontramo-nos quase sempre à mesma hora

soprando palavras ao vento

no ventre da tarde

eu, roubando a sua nudez quase sem pedir licença 

agradecendo a luz e as nuvens

os contornos luminosos desenhados no céu

elas, sonolentas e prenhes de seiva

à espera de caminhos, 

à espera de ramos e de folhas, 

à espera de ninhos

eu, à espera de dias mornos e longos

indiscreta e deslumbrada

ilumino as noites em tons laranja

sento-me no escuro à escuta de nocturnos cânticos

no silêncio das árvores as aves falam e cantam

encantam a lua que cresce para lá do horizonte

desafiando as ondas

convidando as águas

salgadas e cheias

rasgando as entranhas do mundo 

 

rasgando as nossas entranhas com palavras, canções e avisos.



14 janeiro 2021

Seiva em contra-luz



 A luz da tarde entra pela janela

a folha despe-se só para ela

revela os caminhos da seiva

mostra sem pudor o seu interior

a intimidade dos seus fluidos

o lugar onde a vida pulsa  e cintila

os segredos sem medos.

De verde vestida, a pele

transparente e bela

fina, frágil, fugaz

como o tempo

em delicados fios

tecendo estrelas 

reluzindo

entrando no jardim

plic, ploc

espreita pelas frestas

desliza pelas janelas

atravessa a casa e pousa

leve e lenta no regaço dos dias curtos.

A folha fria se aconchega

enquanto a noite não chega.

11 janeiro 2021

Saudar com respeito, reconhecer e agradecer às plantas, ao senhor da chuva que nos permitiu fazer o passeio sem grandes molhas.


 Levar um cesto e saber colher com cuidado, atenção e orientação do que é comestível e do que é tóxico.
Querem saber o que leva ela na alcofa? Leva muitas urtigas, verdinhas, soculentas e prontas a ser usadas em batidos, sopas ou omeletes. Provámo-las cruas e sabiam bem. Também leva umbigos-de-vénus (Umbelicus rupestris)
E na mão o que segura?  Erva-das-azeitonas ou Calaminta (Calamintha nepeta)
Para que serve? Para temperar azeitonas mas também para problemas digestivos e dores menstruais devido principalmente ao composto pulegona também encontrado nos poejos Mentha pulegium. É um estimulante uterino e portanto abortiva, não recomendada a grávidas.
 

Calêndula arvensis pousada num belo caderno de campo.
Para que serve a calêndula? para cicatrizar feridas e tratar vários problemas de pele.
Para que servem estes grupos de pessoas?
Para perceber que partilhar este conhecimento das plantas medicinais é útil e contagia muita gente: Chefs de cozinha, médicos, aprendizes de naturopatia e simples amantes da Natureza.


Disfrutamos também da paisagem à volta de Colares sempre ou quase sempre com belas vistas e grande diversidade de plantas.
O que encontramos?
Morugem (Stelaria media), chagas (Tropaeolum majus) ou capuchinhas, labaças (Rumex crispum), cavalinha (Equisetum sp), silvas (Rubus fruticosus), azedas (Oxalis sp), sobreiros (Quercus suber), prunela (Prunela vulgaris), calaminta (Calamintha nepeta), ipomeia (Ipomea sp), trompete-de-anjo (Brugmansia sp), dedaleira (Digitlis purpurea), sabugueiro (Sambucus nigra),dragoeiro ( Dracaena draco) castanheiros (Castanea sativa) e nem me lembrei de dizer que as folhas dos castanheiro também são medicinais. E outras tantas que não me recordo.

21 agosto 2020

Um dia quando eu for árvore

 

Um dia quando eu for for árvore abanarei os meus troncos e dançarei despenteada em dias de ventania.

Um dia quando eu for árvore, a minha pele feita tronco, feita casca abrigará pássaros, aranhas, musgos e liquens.

Um dia quando eu for árvore vou curvar-me para a terra agradecendo a sua imensa generosidade.

Um dia quando eu for árvore serei terra também, serei solo e minhocas, húmus e composto.

Um dia quando eu for árvore contarei histórias aos humanos, continuarei sua aliada e prolongarei a minha vida muito para lá do tempo.

Um dia quando eu for árvore sairei voando por aí feita semente, feita segredo assobiando e cantando, desabrochando em férteis flores, em viçosos rebentos.

Um dia quando eu for árvore irei desbravar o mundo em verdes fecundos construindo pontes e raízes, balançando-me entre o céu e a terra, entre rios e montanhas.

Um dia quando eu for árvore não morrerei nunca mais.


29 maio 2019

O caminho da seiva

A estaca apoia a árvore. A árvore cresce, a estaca apodrece. É mais prático escrever dentro, de dentro. É o ponto de vista da seiva. Nem sempre é possível, é a arte de jardinar. (M.G. Llansol)